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5.8.10

Rasputina - Sister Kinderhook(2010)


É bastante comum ouvir um álbum e poder dizer com certa precisão a que época ele pertence. Os grandes acontecimentos globais influenciam as letras e a postura adotada pelos artistas, da mesma forma que a tecnologia disponível para gravação e criação de instrumentos musicais, por sua vez sempre definiu a sonoridade adotada.
Mesmo os trabalhos ditos "atemporais", assim são definidos por sua relevância garantir uma sobre-vida superior a de outras obras, cuja sonoridade ou conteúdo lírico fica tão atrelada a época em que foram feitos que não se pode evocar um sem trazer o outro junto.

O Rasputina não foge a regra, mas se torna bastante interessante quando a época em que sua idealizadora e personagem central, Melora Creager escolheu viver é a provinciana America do Norte do período vitoriano.

Fundado no Brooklin em 1991, o grupo anteriormente batizado como The Travelling Ladies' Cello Society reunia inicialmente Melora e mais 6 cellistas atraídas por um anuncio de jornal, sendo reduzido finalmente a 3 cadeiras e um baterista em seu primeiro álbum Thanks for the Ether(1996).
Bastante atraída por acontecimentos e personalidades do passado, Melora volta 100 anos e ambienta o grupo no ano de 1891, constrói as letras sobre temas que vão do famoso aviador Howard Hughes, ao curioso episódio em que o Papa autorizou os índios recém convertidos a comerem capivaras durante o período de jejum - tendo em vista que nessas tribos a capivara era considerada um peixe, e portanto, escapavam à classificação de carne vermelha.

O tão aguardado novo álbum, Sister Kinderhook, marca um resgate da sonoridade puramente acústica do primeiro disco. Os característicos pedais de guitarra, usados para distorcer o som dos cellos, foram finalmente devolvidos a Benjamin Franklin, ou quem quer que os tivesse projetado para o grupo no século 19. No entanto, quase 15 anos após o primeiro disco, se passaram - ainda que o grupo tenha voltado quase 90 anos no tempo - e as composições de Creager estão visivelmente mais maduras que antes.

Trazendo na capa o ano de 1809, o disco aborda o período colonial americano. Há espaço tanto para uma reflexão sobre a retomada de terras nas guerras Anti-rent, ocorridas no estado de Nova York nos anos 40, como para a descoberta de gigantescas ossadas encontradas em Ohio, que pertenceriam a uma extinta raça de gigantes que caminhou sobre a terra no passado, até desaparecer graças a um auto-genocídio. Pois é.

O disco se revela consistente já na primeira faixa, Sweet Sister Temperance, constituída puramente da interação entre os cellos de Creager e Daniel DeJesus - primeiro homem a ocupar a segunda cadeira na banda - com a percussionista Catie D'Amica. Há um destaque para as belas harmonias criadas com a sobreposição de vocais de Melora, técnica freqüentemente empregada no disco.

DeJesus, inclusive, é responsável por algumas das melhores surpresas do álbum. Existe muita química entre ele e Creager, seja ela sentida na sobreposição dos cellos ou na interação entre os vocais de ambos, rendendo momentos memoráveis como Calico Indians, provavelmente uma das melhores peças da compositora.

A percussão se mantém discreta ao longo do disco, funcionando mais como um efeito que unidade rítmica na maioria das faixas, ainda que eventualmente ganhe papel fundamental - como na solenidade de Humankind, as the Sailor, ou aliada ao dulcimer no baile caipira de Olde Dance.

Ao longo do disco, sinto falta apenas das narrativas recitadas por Melora, que aqui tem como única representante a faixa Utopian Society, na qual critica as sociedades escravistas do passado por meio das sociedades utópicas de Pavonia - terra dos pavãos, e Swaanendael - terra dos cisnes. Crítica social é permitida sim, contanto que devida e bizarramente disfarçada.


Após 14 faixas sobra espaço para uma reflexão pessoal em This, My Porcelain Life. Carregada por um piano fantasmagórico, a faixa evoca a dor trazida pela perda de um amigo, e encerra o disco nos trazendo de volta ao ano de 2010, felizes em saber que possuímos uma máquina do tempo à disposição em meio ao caos do século XXI, e que após anos de dedicação, sua operadora não dá sinais de se aposentar do cargo. BZ


Gênero: cello rock/steampunk
Lançamento: Junho de 2010
Produtor: Melora Creager
Selo: Filthy Bonnet Recording Co.
Para ter uma idéia, ouça Holocaus of Giants, Calico Indians e Meant to be Dutch

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei a idéia do blog!
Já está adicionado!
:)